Gestores do SUS e poder judiciários discutem medicamentos excepcionais
Aproximadamente 250 pessoas participaram nesta terça-feira (22) do seminário Os desafios da gestão da Assistência Farmacêutica no SUS, direcionado aos gestores federais, estaduais e municipais da Saúde e representantes do poder Judiciário, como juízes, desembargadores, promotores de justiça, procuradores federais e estaduais, além de representantes da sociedade civil organizada. Promovido pelo Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass), o seminário tratou sobre o acesso da população à assistência farmacêutica do Sistema Único de Saúde (SUS), em especial aos medicamentos de dispensação excepcional ou de alto custo, por meio de demandas judiciais.
Para o conferencista do seminário, ex-presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Nelson Jobim, o conflito está na falta de uma regulamentação que defina a obrigação do SUS em relação à dispensação de medicamentos excepcionais. Para ele, o Direito Econômico e Social surgido no século XX, no qual está inserido o direito à saúde, é um tipo de direito que se satisfaz com a prestação de serviços por parte do Estado, gerando custos que precisam ter definidos suas fontes. “O Direito Econômico e Social se contrapõe ao Direito Político e Civil pois estes se realizam apenas com o mero exercício, como por exemplo, o direito de votar”, explicou Jobim.
Nelson Jobim acredita que o primeiro passo para resolver essa “disfuncionalidade gerada pelo Direito Econômico e Social” é criar uma lei que vincule a obrigação do Estado a fornecer medicamentos previstos em Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas (PCDT), que são textos científicos sobre o medicamento ofertado em termos de eficácia, qualidade e quantidade. Atualmente, os PCDT são recomendações utilizadas por médicos para subsidiar suas decisões diante a um determinado agravo em saúde. “O PCDT é o veículo de comunicação entre as políticas públicas e os direitos individuais à saúde”, afirmou o ministro. Nelson Jobim também defendeu que essa nova legislação deve prever regras para atualização dos PCDT e normas emergenciais para tratar patologias nacionais e regionais que não possuem os seus respectivos PCDT.
A sugestão foi amplamente discutida pelas autoridades no decorrer do seminário. Para o presidente do CONASS, Osmar Terra, a proposta pode ser vista também como uma medida de segurança para os pacientes. “Não estamos defendendo deixar de entregar o medicamento ao paciente. Mas entregar medicamentos mais seguros em doses certas. Não podemos deixar que os pacientes sejam enganados com medicamentos sem comprovação científica, que não fazem efeitos, prescritos em doses erradas, muitos deles ainda em fase experimental. Também não podemos nos calar com o desperdício de dinheiro público com demandas judiciais que nos obrigam a entregar um medicamento sem comprovação científica e sem registro no país. Estou falando em mais de R$ 300 milhões por ano que são desviados das políticas públicas para atender esse tipo de demanda”.
Parte da proposta apresentada pelo ministro Nelson Jobim está contemplada no Projeto de Lei de autoria do senador Tião Viana, em tramitação na Comissão de Assuntos Sociais do Senado Federal, que conta com o apoio do Ministério da Saúde, do Conass e do Conselho Nacional dos Secretários Municipais de Saúde (Conasems).
Na justificativa do PL, o senador argumenta que “o futuro do SUS depende de critérios na aplicação de recursos públicos para que se tenham continuidade as ações e serviços de saúde. O lobby da indústria e do comércio de produtos farmacêuticos junto a associações de portadores de certas doenças e o intenso trabalho de marketing junto aos médicos fazem com que, tanto os usuários quanto os prescritores, passem a considerar imprescindível o uso de medicamentos novos, muitos deles recém lançados em outros países e ainda não disponíveis no Brasil. Em regra, esse produtos são de altíssimo custo, mas nem sempre são mais eficazes que outros de custo inferior, indicados para a mesma doença”. O Projeto de Lei além de prever a dispensação mediante o cumprimento de protocolos clínicos exige que o medicamento seja registrado na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Na falta de protocolos, a dispensação vai se limitar aos medicamentos das relações elaboradas pelo Ministério da Saúde.
Para o Procurador Federal dos Direitos do Cidadão, Ramiro Rockenbach, responsável pelo núcleo de saúde no Ministério Público Federal, o seminário foi fundamental para iniciar o diálogo entre os diversos atores da saúde e afirmou que a parceria com o Ministério Público para a solução de problemas será permanente. Sobre a proposta de regulamentar o acesso aos medicamentos, o promotor se mostrou preocupado com o caráter de integralidade do SUS. Para ele, a vinculação de PCDT à obrigatoriedade no SUS de fornecer medicamentos pode deixar de lado patologias que não têm os respectivos protocolos.
O resultado da parceria realizada no Rio Grande do Sul entre representantes da Secretaria Estadual de Saúde e o poder Judiciário para padronizar os procedimentos relativos às demandas judiciais sobre medicamentos também foi apresentado no seminário. A presidente da Associação dos Juízes do Rio Grande do Sul, Denise Oliveira Cezar, explicou que para demanda judicial de medicamentos que está na lista do ministério da Saúde, a Procuradoria Geral do Estado não recorre da decisão por compreender que é obrigação do Estado em fornecer, já que é uma ação da política pública de saúde e deve ter previsão orçamentária para desenvolver o programa de assistência farmacêutica. Mas para Denise Cezar, o Estado não tem obrigação de fornecer medicamentos experimentais. “As demandas de medicamentos excepcionais em caráter experimental deveriam ser direcionadas aos laboratórios, eles têm que continuar o tratamento com o paciente até o fim e não o governo bancar as pesquisas”.
Já para as demandas de medicamentos que estão fora da lista do governo, a presidente da Ajuris explica que foi constituído um grupo de trabalho com representantes da secretaria, desembargadores, juízes, promotores, médicos que estão elaborando procedimentos de padronização. “A ação judicial precisa ter no mínimo o endereço do usuário, para a secretaria entregar o medicamento”, exemplifica.
Abertura
Para a representante do Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde (Conasems), Aparecida Linhares, o tema Assistência Farmacêutica é o mais “explosivo” da gestão do SUS. “Precisamos nos debruçar sobre o problema e o poder Judiciário é um grande aliado na construção de uma Assistência Farmacêutica compatível com a universalidade e integralidade do SUS”, disse.
O secretário de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos do Ministério da Saúde, Reinaldo Guimarães, também considera a questão complexa. “A Assistência Farmacêutica passa por uma crise crescimento, pois os avanços trazem novos problemas que ensejam discussão”. Ele seguiu o mesmo tom ao falar sobre a regulamentação dos medicamentos de dispensação excepcional. “A expansão dos programas de farmácia popular abre alternativas para o acesso, porém as redes têm de ser ampliadas. E a judicialiazação também é uma crise gerada pelo avanço. Com a decisão da ministra Ellen Gracie, pela primeira vez se estabeleceu uma compreensão positiva da integralidade e da universalidade, onde o interesse de um não pode se sobressair ao interesse coletivo”. Reinaldo Guimarães disse ainda que o Brasil se tornou refém da abertura comercial e o momento é de reverter a situação. “Precisamos estimular a indústria a se desenvolver e promover a capacitação tecnológica”, ressaltou.
O presidente do CONASS, Osmar Terra, falou sobre o Sistema Único de Saúde. “O SUS foi o maior avanço institucional que o país já teve nos últimos 50 anos e nada se comparou a ele em melhoria na qualidade de vida e em garantia de direitos da população. E pela primeira vez foi introduzida a participação da população nas políticas institucionais.” Terra disse ainda que a questão dos medicamentos vai de encontro com a amplitude do direito garantido pelo sistema. “Estamos entrando no gargalo dos medicamentos excepcionais e de alto custo, então temos que aperfeiçoar o sistema. O direito tão amplo acaba criando benefícios para alguns grupos econômicos e muitas vezes temos que dispensar medicamentos experimentais, sem nenhuma comprovação científica. Cerca de 98% dos medicamentos não dão resultado e os outros 2% viram um produto pelo qual o laboratório cobra muito”.
Segundo Osmar Terra, enquanto não houver uma regra o Estado vai continuar arcando com as experiências dos laboratórios. “Nós temos esses dilemas a serem resolvidos e queremos sim garantir os medicamentos. Mas também nos preocupa ver milhões de reais sendo jogados fora em experimentos que não dão certo, em medicamentos que não têm efeito e em dosagens exageradas”. Osmar Terra ressaltou ainda a importância de se criar regras e de entrar em sintonia com o poder Judiciário e com o Ministério Público a fim de encontrar soluções rápidas “para que os avanços não sejam destruídos pelos excessos.”
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Vanessa Pinheiro
Assessora de Comunicação Social do CONASS
Conselho Nacional de Secretários de Saúde
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